Talvez
demore para a gente ver outro fenômeno como o que aconteceu em junho deste ano:
as famosas manifestações pelas ruas, o tal gigante despertado, enfim, um
acontecimento muito inusitado em termos políticos.
E não demorou para que muitos,
inclusive eu, começasse a fazer comparações entre essas manifestações e outros
movimentos como o “Diretas Já” e o “Fora Collor”. Acho que nos equivocamos...
Porque o “Diretas Já”, embora tenha fracassado, tinha um foco (palavrinha banalizada
hoje em dia...), já o “Fora Collor”, além de ter um foco, surtiu o efeito desejado. Nos dois casos o que estava claro era a
ambientação política, o clima de decisão, o momento de efervescência nos noticiários.
No caso do... não sei que título dar ao movimento de junho... Bom,
chamar-lhe-ei “Movimento Passe Livre”, porque foi assim que tudo começou.
O movimento, que começou
reivindicando transporte coletivo gratuito ou a preços mais baixos, ganhou proporções de protesto contra tudo e
contra todos, contra todos os partidos, contra o governo federal, contra os
governadores, contra o Congresso, contra
deus e o demônio, contra gregos e troianos, contra, contra, contra. Sim, houve
gritos a favor... a favor da educação, da saúde, do fim da corrupção, assim
como fazem todos os partidos em época de campanha eleitoral.
Em meio à empolgação com a adesão
gigante, a razão perdeu o controle do jogo do poder e a imprensa também virou
alvo do coro de protestos. Foi aí que os discípulos de Maquiavel balançaram a
cabeça e lamentaram: “vai dar merda”. E deu. Ao terem seus carros incendiados e
suas equipes hostilizadas, a grande mídia, discretamente, retirou seus
holofotes dos manifestantes com bandeiras em punho e os lançou sobre os vândalos,
cuja ação também saiu do controle do “Passe Livre”.
Pela palavra da grande imprensa os
vândalos foram ganhando cada vez mais espaço de tempo nos noticiários até se
tornarem os verdadeiros sujeitos da coisa toda. O Gigante perdeu a voz, perdeu a
postura, perdeu a credibilidade, se perdeu... Os que eram denominados vândalos
talvez se sentissem surpresos com uma exposição tão grande e trataram de se
proteger: adotaram as máscaras. Debaixo de máscaras os envolvidos se
confundiram. A essa altura já não se sabia mais quem era manifestante pacífico,
quem era baderneiro, quem era policial infiltrado. A máscara mata o sujeito.
Os discípulos de Maquiavel se
arrepiariam ainda com outra falha do planejamento político do “Passe Livre” (se
é que algum dia houve um planejamento político). Em julho o Rio de Janeiro se
tornou palco de um evento católico de grandes proporções: a Jornada Mundial da
Juventude (JMJ), que trouxe ao Brasil nada mais nada menos que o maior líder
carismático dos últimos tempos, o Papa Francisco... Os maquiavélicos riem diante
de tanta ingenuidade: um movimento político não pode negligenciar um dado dessa
natureza... Mentores intelectuais,
quando se articulam, precisam considerar algumas agendas, e a agenda do
Vaticano previa a JMJ no Brasil em julho. As mobilizações do “Passe Livre”
jamais deveriam acontecer no mês anterior à visita do Papa, a não ser que isto
tivesse um papel estratégico para o Movimento. Pelo que foi visto na Imprensa,
a visita do Papa não tinha nada a ver com as pulsões políticas do “Passe Livre”.
Manifestantes cariocas mostraram que queriam aproveitar os holofotes sobre o
Rio de Janeiro (por causa do Papa e dos peregrinos da JMJ) para protestar
contra Sérgio Cabral. Os maquiavélicos alertam então: Sérgio Cabral não
interessa a um mundo que só está olhando para o Rio por causa do Papa. E além
disso... essa imprensa internacional, que vem ao Rio por causa de Francisco,
faz parte da Imprensa que foi hostilizada nas ruas durante as caminhadas de
junho.
Mil erros de estratégia. Só isso
pode explicar o entorpecimento repentino do gigante. Há quem diga que ele cumpriu
sua missão: o governo federal usou o movimento para pressionar o Congresso e o
Senado a votarem a favor dos royalties do petróleo para a Educação. Também houve
a polêmica toda envolvendo o programa “Mais Médicos”. E nesse ponto, nada me
tira da cabeça que o Governo de Dilma já tinha esses planos na gaveta há um bom
tempo, mas não encontrava governabilidade para levá-los adiante. O Gigante acordado foi a chance que o Governo
viu para lançar a ideia.
Se tudo aquilo foi plano do Governo do PT, ou se foi plano de quem não tinha noção da máquina que estava acessando, não sei. O fato
é que a imagem que ficou no final das contas foi a face do anonimato.