sábado, 12 de dezembro de 2015

MEXENDO NAS GAVETAS


Tempos atrás acompanhei os noticiários sobre a Operação Satiagraha, da Polícia Federal. Dentre muita coisa que se publicou a respeito daquela operação, uma das mais inquietantes para mim foi a reportagem da Revista Veja, edição número 2069, de 16 de julho de 2008.
A partir disso, na época, escrevi para o Jornal Enfim, de Ribeirão Preto, o seguinte artigo:

 DEMOCRACIA E PODER

Toda vez que o Brasil é invadido por notícias escandalosas sobre corrupção, nomes de indivíduos envolvidos são citados à exaustão até que o principal interessado – o cidadão/eleitor – se desanime e conclua, por repetição de casos, que não haverá justiça. Esse tem sido o cotidiano de nossa democracia, orgulhosa de suas conquistas. Lamentavelmente a opinião pública vira as costas para o caso quando percebe que será apenas mais um caso de impunidade do crime do colarinho-branco.
A questão é que por trás dos indivíduos estão as instituições que sustentam a democracia. Quando tomamos conhecimento de denúncias de corrupção, estamos diante de um jogo onde não somos meros espectadores mas sim parte fundamental dele. Nesse tido de jogo de poder que envolve personagens da vida política e empresarial é de extrema importância, para corruptos e corruptores, que a sociedade fique indiferente, para que assim as forças que os levaram a julgamento fiquem desmoralizadas e fragilizadas. Outra peça importante é a imprensa. Por conta de sua tendência à passividade, os brasileiros de modo geral “legitimam” os noticiários como se eles já representassem o julgamento e a punição dos acusados, o que causa repulsa àqueles que observam a Lei. Ao contrário de clareza em todos os cantos, o que temos assistido é o desvio de holofotes das instituições para ações esquematizadas na medula do Poder. Nessa trajetória repetitiva perdemos de vista o papel do Juiz, a palavra final que restauraria a confiança pública.
Talvez o nosso “distanciamento” em relação à instituição do Judiciário seja o único ponto fraco da nação quando o assunto é impunidade. Ou talvez os tribunais é que se sintam aquém ou além das mentes do povo... Fomos educados para entender que a democracia se faz com o voto; assim, o Legislativo e o Executivo são concebidos na dinâmica cultural como os grandes responsáveis pela ordem, enquanto o Judiciário aparece ao cidadão comum como um universo paralelo, misterioso e quase inalcançável. Esse tipo de analfabetismo propicia aos envolvidos no jogo de poder uma flexibilidade ao longo dos processos de investigação, denúncia, julgamento e sentença. Muitas informações prévias sobre o funcionamento do mecanismo da Justiça, que poderiam nos ajudar a compreender a lógica particular de cada caso, são perdidas no caminho e na memória. Comportamentos de tribunais são mostrados por jornais, revistas e televisão como ações inquestionáveis. É difícil ao cidadão comum saber se uma decisão judicial fere ou não a constituição. Além disso, desconhecemos o real poder e competência de cada Tribunal; tampouco sabemos sobre os recursos aos quais as defesas recorrem. Sobre os inquéritos de que tanto ouvimos falar, pouco conhecemos de suas estruturas para avaliar os resultados. Um mar de informações nos inunda visando sempre a emoção e raramente a razão. O jogo torna-se enfadonho!
            E contudo, os valores da democracia ainda são presentes e fortes em nosso espírito. Apesar dos esquemas de corrupção parecerem transmitidos de um governo a outro, os discursos óbvios continuam repetindo o mesmo refrão: a solução está na educação.
            A Escola talvez pudesse fazer cidadãos mais conscientes se adotasse, por exemplo, cursos de noções sobre o funcionamento da Justiça, no ensino público. Ao dominar os mecanismos da instituição onde repousa a segurança da nação, o brasileiro poderia finalmente saber o que acontece no jogo. Numa entrevista à Revista Veja (edição de 16 de julho de 2008), o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Carlos Ayres Britto, disse que “o juiz contemporâneo é aquele que abre as janelas do direito para o mundo”. Se isto valesse como sentença, teríamos esperança de ver noticiários diferentes no futuro.

quarta-feira, 13 de maio de 2015

meu novo livro

No próximo dia 26 de maio, terça-feira, às 19:30 hs, estarei lançando meu novo livro FÓRUM VIRTUAL, um romance.
Local: Centro Cultural Palace (Rua Alvares Cabral, 322 - Centro - Ribeirão Preto)

Segue aqui uma "Carta ao leitor"... para adiantar do que se trata:

Caro Leitor,    
O que é a relação humana via rede mundial de computadores?
O que é a Internet: simplesmente produto da tecnologia ou campo específico de ação?
Na sua trajetória de desenvolvimento tecnológico, os homens já encurtaram a distância entre si de diversas formas. Ao longo dos séculos, máquinas e recursos variados foram criados para transportar, de um lado para outro, na Terra e no espaço sideral, nossos sons, nossas imagens, nossos dados. Mas talvez nenhum invento até agora tenha sido mais extasiante do que o ciberespaço *.
O romance “Fórum Virtual” é resultado desse meu assombro com as propriedades de tal tecnologia. Ela tem acelerado, digamos assim, o processo de percepção de alguns aspectos da vida enquanto, ao mesmo tempo, nos leva a negligenciar outros. Pois é difícil dar conta de tudo!... E o excesso, o descartável, o provisório, o transitório são partes dessa nova vivência. Mas, ao parar para examinar um pouco algo que está acontecendo tão próximo (já que agora nenhuma distância é muito grande), acabamos nos assustando. A ficção que você lerá aqui tem sua matriz num fato real: a morte precoce de um jovem, um usuário constante da Internet e representante fiel da geração que nasceu no mundo conectado à rede. Antes mesmo de pensar em escrever, o fato me levou a explorar a Internet, seguindo os rastros que o jovem deixara na Rede. Foi nessa viagem que tive contato com tantos outros anônimos, cujos rostos e vozes nunca me foram mostrados, pois só me interessavam as ideias, as palavras, a memória de quem, em alguma circunstância, tivesse cruzado com meu personagem. Quando os primeiros textos começaram a nascer, eu narrava segundo os moldes tradicionais da prosa, o que me trouxe um descontentamento, pois já não se tratava mais só de uma história trágica inspirada na realidade, mas também dos reflexos da minha atividade virtual durante a pesquisa sobre o personagem. De tal modo que um novo texto surgiu, celebrando os próprios formatos de texto da internet, como as cartas eletrônicas e as discussões em fóruns virtuais.
Não raras vezes a perplexidade que me tomara durante a pesquisa fez-se tão presente que os diálogos dos personagens buscaram espelho nos diálogos encontrados na Rede, quanto ao vocabulário dos internautas e quanto à afetividade das falas. E aqui eu me ponho a pensar no vasto campo de considerações acerca do trabalho do ficcionista e seu encalço: a Realidade. Que realidade é essa que nos chega pelos aparelhos, seja um computador de mesa ou um smartphone? Que relação é essa que estamos estabelecendo com vídeos, fotos, sons, textos, informações, pessoas?
Para além da ficção científica, a Literatura busca acompanhar essas tecnologias em suas abordagens sociais, históricas, e contemplar os discursos ressonantes de uma época high-tech.



sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

o riso nosso de cada dia

Com a afirmação das redes sociais, em especial o Facebook, tornou-se comum a convivência virtual com quadrinhos, trazendo fotos ou desenhos, de toda espécie de mensagem. Aquelas com teor humorístico nos aproximam muito da linguagem do cartum e da charge.  O ataque de anteontem ao jornal francês “Charlie Hebdo” é uma demonstração do poder que essa linguagem possui. Esse formato de mensagem convoca o leitor para um riso breve mas com propósitos críticos, com entonação variada e sujeita a respostas variadas, da indiferença ao choque.
                Humor é coisa séria. O riso é uma manifestação de confronto com a realidade. Os gregos antigos dominaram essa arte de fazer rir. Levaram a ridicularização do ser humano às últimas consequências, concedendo ao riso um espaço nobre na arte. Definiram assim o que hoje  buscamos, talvez, nos programas televisivos de humor, que no caso Brasil parecem cada vez mais limitados ao entretenimento, isolando e até contrariando o propósito de instigar a crítica. Fazer pensar através da sátira, do deboche e do cômico exige saber lidar com sentimentos graves. Pode-se dizer que o chargista é o artista do último recurso: quando a mensagem já esgotou suas possibilidades de fazer efeito na mente dos leitores, a charge entra com seu apelo. Breve e sorrateira, a charge exibe as ironias do nosso cotidiano sisífico, compra a ideia de que o humor está ligeiramente ligado à simpatia, ao bom senso.

No entanto, o humor pode agredir.  E essa agressão dá a medida da posição ou visão do chargista em relação ao tema escolhido. Muito comumente, antes de passar a mensagem, o tal tema já foi debatido à exaustão, ou é a expressão de um consenso, ou aquilo que é tomado como consenso. Mas no final, a expectativa é a de que o leitor aliviará sua seriedade e sorrirá, mesmo sem mexer um músculo do rosto. Do risinho nervoso à gargalhada, do silêncio ao escândalo e à perplexidade, o riso é transgressão quando provocado por uma artimanha premeditada.