segunda-feira, 8 de setembro de 2014

o grande jogo


Olhar, ler, ouvir, buscar todas as referências e sinais. Ver além do que nos permite o chamado sistema. Tudo isso é sonho de quem conserva a brincadeira da infância, aquela brincadeira da esperteza, a dança da cadeiras, o jogo de esconde-esconde. É estranho pensar que passamos a infância toda nos preparando para a astúcia e para a guerra, para chegar à vida adulta, perdidos num labirinto implacável.
Assim funciona o cotidiano de um observador metido a esperto. Ele sabe que pode catalogar todas as táticas e métodos de todos os super heróis dos quadrinhos, mas sempre vai se surpreender com a derrota diante do Grande Jogo. Todas as vítimas prometeram que a verdade triunfaria e que para isso não precisaria morrer tanta gente. Mas era mentira. As vítimas já estavam mortas e suas promessas eram ditas pelas bocas de seus assassinos em forma de lamento, homenagem, queima de arquivo.
Na política nossa de cada dia as imagens que invadem nossas casas, nossos painéis, nossa trilha sonora são as mesmas que corrompem a razão naquilo que ela mais tenta se preservar: a defesa.
A defesa da própria pele, do próprio lugar, do mundo particular fica assim corrompido por essa enorme falta de certeza. Tudo que se diz na TV, tudo que diz nas ruas, nos sonhos, tudo se torna um manto de conspiração em favor de um sistema.
O Brasil é um país de sonhadores. Só dormindo e confiando no sonho para ser assim, tão leve, tão manso, tão dançarino. Aprendemos com os super heróis que nossa casa é sempre um lugar de retorno e que só ali está a segurança. É possível dançar mil ritmos, por mil salões, mas sempre o brasileiro deve retornar à sua gente. Por conta disso, a memória se preserva nesse canto familiar. Na verdade, a memória se fecha nesse canto e não permite mais nenhum registro de dança nenhuma, de conflito nenhum. Assim, a regência comanda a festa, o salão, os ritmos, o cansaço e o sono.
Para um brasileiro, a tarefa de conduzir um olhar político esbarra na amnésia. Falta memória no povo para entender todos os quadros do jogo. De modo que, para continuar jogando, é preciso mentir a si mesmo, acreditar na realidade das coisas expostas lá naquele espaço onde nada é exposto friamente, lá no espaço das grandes corporações midiáticas. Nessas condições tudo que é preciso exprimir é a opinião copiada ao longo de anos entre a brincadeira de esconde-esconde e a ocultação do cadáver da queima de arquivo.
O brasileiro teima em ser alegre, porque assim finge ter uma identidade nacional condizente com o que os primeiros europeus decretaram sobre a natureza brasileira quando começaram a dominar o território. O brasileiro brinda o mundo, os estrangeiros com seu sorriso. Ele é capaz de jurar que seu sorriso é espontâneo e que a dura vida de doentes de amnésia se converte em pacifismo, gentileza, beleza. Desperdiça a identidade selvagem do índio - que preza pela natureza - para também se esquecer da guerra e com ela, desprezar o medo, a honra, o espírito de comunhão e de luta.
O brasileiro não joga. Ele se adia entre um espanto e outro, entre uma decepção e outra, mas não joga, não desafia o sistema, não se arma com o xingamento nem com a estratégia. O brasileiro não sabe se defender.

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